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Poemas de Flores do Mal

  • Foto do escritor: epifaniado verso
    epifaniado verso
  • 1 de mai. de 2013
  • 4 min de leitura

Embriaga-te

Devemos andar sempre bêbedos. Tudo se resume nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar. Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te. E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhes que horas são: " São horas de te embriagares! Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto." Benção

Quando, por uma lei da vontade suprema, O Poeta vem a luz d'este mundo insofrido A desolada mãe, numa crise de blasfêmia, Pragueja contra Deus, que a escuta comovido: — "Antes eu procriasse uma serpe infernal! Do que ter dado vida a um disforme aleijão! Maldita seja a noite em que o prazer carnal Fecundou no meu ventre a minha expiação! Já que fui a mulher destinada, Senhor, A tornar infeliz quem a si me ligou, E não posso atirar ao fogo vingador O fatal embrião que meu sangue gerou. Vou fazer recair o meu ódio implacável No monstro que nasceu das tuas maldições E saberei torcer o arbusto miserável De modo que não vingue um só dos seus botões!" E sobre Deus cuspindo a sua mágoa ingente Ignorando a razão dos desígnios do Eterno, A tresloucada mãe condena, inconsciente, A sua pobre alma às fogueiras do inferno. Bafeja a luz do sol o fruto malfadado, Vela pelo inocente um anjo peregrino; A água que ele bebe é um néctar perfumado, O pão é um manjar saboroso, divino. Com as nuvens a rir, brincando com a aragem, A Cantar, vai pisando o aspérrimo caminho; Seu anjo protetor segue-o nessa romanagem E chora ao vê-lo assim: feliz qual passarinho. Aqueles a quem ama, olham-no, receoso, Ou então, conhecendo a sua mansidão, Com um prazer ferroz, com dentes venenosos, Procuram no morder, ferir-lhe o coração! Ao vinho como pão, que lhe fazem servir, Conseguem misturar escarros, cinza, pó; Objeto em que ele toque, é mandado partir; Fingindo distração, pisam-lhe os pés sem dó! Sua própria mulher grita pela cidade: — "Já que ele me apregoa a bela entre as mais belas, Vou fazer o papel das deusas de outra idade, E meu corpo vestir com os adornos delas. Com perfumes de mirra e incenso, hei-de, enlevada No ambarino licor de vinhos peregrinos, Erguer-me um pedestal, fazer-me venerada, Usurpando o lugar dos sacrários divinos. E, quando me cansar dessas farsas ímpias, Pousarei no seu peito minha esbelta mão, E meus dedos de anéis, como garras de harpias Hão de rasgar-lhe a carne até o coração. Como a avezinha embel, que treme e chora inquieta Assim lhe hei de arrancar o coração surpreso, Que servirá de pasto à fera predileta, A quem o lançarei, com todo o meu desprezo!" A demandar o Céu, o trono resplendente, Ergue o Poeta p'ra Deus as pálpebras doridas E o dúlcido clarão da sua alma de crente Não lhe deixa avistar os povos homicidas... — "Bendito seja vós, Senhor, que o sofrimento Concedeis como alívio à nossa perdição, Essência divinal, suavíssimo fermento, Que depura e conforta o nosso coração! Eu sei que não deixais, Senhor, de reservar-me Um lugar junto a Vós nas santas Legiões, E para a grande festa haveis de convidar-me Dos Tronos, da Virtude e das Dominações. Eu sei que o sofrimento é a nobreza suprema, Única distinção que tem hoje valor E sei que, a marecer um místico diadema, Só o Universo e o Tempo é que m'o hão de impor. Embora disponhais de imensa pedraria, Das estrelas do céu, das pérolas do mar, Vossa engenhosa mão, Senhor, não poderia A c'roa construir que intento conquistar! O diadema que alvejo é puro refulgente, Todo efeito da luz dos tempos que lá vão, Dessa pristina luz perante a qual a gente Vê que os olhos mortais vivem na escuridão!"

Obsessão

Os bosques para mim são como catedrais, Com orgãos a ulular, incutindo pavor... E os nossos corações, - jazidas sepulcrais, De profundis também soluçam, n'um clamor. Odeio do oceano as iras e os tumultos, Que retratam minh'alma! O riso singular E o amargo do infeliz, misto de pranto e insultos, É um riso semelhante ao do soturno mar. Ai! como eu te amaria, ó Noite, caso tu Pudesses alijar a luz que te constéia, Porque eu procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu! Que a própria escuridão é tambem uma téia, Onde vejo fulgir, na luz dos meus olhares. Os entes que perdi, - espectros familiares!

A Beleza

De um sonho escultural tenho a beleza rara, E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor, Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor, Com a eterna mudez do marmor' de Carrara Sou esfinge subtil no Azul a dominar, Da brancura do cisne e com a neve fria; Detesto o movimento, e estremeço a harmonia; Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar. O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas Que pareço copiar das mais nobres estátuas, Consome noite e dia em estudos ingentes.. Tenho, p'ra fascinar o meu dócil amante, Espelhos de cristal, que tornaram deslumbrante A própria imperfeição: — os meus olhos ardentes!

 
 
 

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